O meu pai é Historiador de formação, mas a sua vida tem feito história.
Não só na vida dos seus filhos, mas na vida de filhos de muitos outros pais.
Essa devoção, vocação e até obstinação deixou-o muitas vezes longe do aconchego da nossa casa. Passamos muitos dias, semanas até, sem o ver, mas todos os dias o ouvimos a perguntar pelas aulas, pelos testes, pelos amigos e dizendo sempre,
- Mas está tudo bem, não está, filha(o)?!
Sem esperar uma resposta negativa ou sequer vacilante. E nós concordávamos, pedindo depois o colo da minha mãe para os conflitos da infância, as dúvidas da adolescência, os dramas da juventude.
A profissão do meu pai é professor, que iniciou aos 18 anos. Um professor que jogava à bola com os alunos nos intervalos, para escândalo das suas ilustríssimas colegas. Levava à praia, a pé, os seus 55 alunos, de quem ainda se recorda o nome completo.
Feliz ou infelizmente, as suas convicções chamaram-no para a política, a que dedicou a maior parte da sua vida.
Foi um dos responsáveis pelas primeiras eleições livres na sua terra em tempos do jovem Estado Democrático e esteve no palco em comícios onde se alvejavam os oradores.
Passou por várias funções, nacionais e locais, mas seguiu sempre as mesmas convicções, os mesmos princípios, aqueles que nos ensinou e aqueles que têm orientado as nossas vidas.
Nenhum dos 3 filhos lhe seguiu as pisadas na política por sentirmos demasiado fortes as dores dos bastidores, das maledicências e das incompreensões.
Como ele diz tantas vezes:
- Já dei para esse peditório!
Nós também já demos, demos o tempo em que sentimos a sua ausência, o seu bom humor e de alguma tranquilidade.
Conta-nos a minha mãe que foi um actor excepcional e de um bom humor fora de série, mas já não fomos a tempo de ver os seus melhores momentos, mas isso também é crescer...
Como a mãe dele, gosta de mandar e manda bem, até demais!
Tem um coração do tamanho do mundo e é o homem mais generoso que conheço. Desdobra-se para ajudar os outros, nós e todos os que lhe atravessam o caminho.
Aos de casa satisfaz demasiados caprichos (os "madeirenses" para a minha mãe, os camarões para o meu irmão, as cerejas para mim e os ovos moles para a minha irmã) e ninguém pode tocar naquilo que ele trouxe para o outro... Chega a ser caricato...
Vira livrarias à procura de livros de música, bordados e desporto e trá-los de todos os lados do mundo.
Deixou-nos aos 3 esse gosto pelo conhecimento, dos livros e das viagens, que continua a fazer na companhia do seu grande amor, a sua namorada de toda a vida.
Por acreditar realmente no trabalho que faz e por gostar mais da sua terra do que de si próprio vem sofrendo muitas injustiças que tem suportado com muita valentia e resistência, com uma inacreditável capacidade de se reinventar, reorganizar e direccionar as suas capacidades para outras áreas, sobretudo a da escrita.
Obstinado por defeito, quando inicia algum projecto, gostaria de o ter acabado no minuto anterior.
Devemos-lhe também a energia sempre positiva para os grandes projectos na nossa vida, estimulando-nos para ir em frente, para arriscar, para ousar e ... "se houver problemas, cá estamos nós para os resolver".
É um pai para o pai dos meus filhos, a quem lembra constantemente que o tempo com os filhos é precioso, passa depressa, tão depressa que ele não chegou a aproveitar como gostaria.
Também é um menino grande, carente de mimo e atenção e chora como chora uma criança, como eu choro, porque somos demasiado parecidos.
Este texto é para ele, porque talvez não conseguisse dizê-lo tão tranquilamente cara a cara e que só irá ler daqui a uma semana quando voltar de mais uma viagem, senão estaria a ligar-me no minuto seguinte a eu terminar de o escrever.
E ficou tanto por dizer...