quarta-feira, 19 de março de 2008

Pai com História

O meu pai é Historiador de formação, mas a sua vida tem feito história.

Não só na vida dos seus filhos, mas na vida de filhos de muitos outros pais.

Essa devoção, vocação e até obstinação deixou-o muitas vezes longe do aconchego da nossa casa. Passamos muitos dias, semanas até, sem o ver, mas todos os dias o ouvimos a perguntar pelas aulas, pelos testes, pelos amigos e dizendo sempre,

- Mas está tudo bem, não está, filha(o)?!


Sem esperar uma resposta negativa ou sequer vacilante. E nós concordávamos, pedindo depois o colo da minha mãe para os conflitos da infância, as dúvidas da adolescência, os dramas da juventude.

A profissão do meu pai é professor, que iniciou aos 18 anos. Um professor que jogava à bola com os alunos nos intervalos, para escândalo das suas ilustríssimas colegas. Levava à praia, a pé, os seus 55 alunos, de quem ainda se recorda o nome completo.

Feliz ou infelizmente, as suas convicções chamaram-no para a política, a que dedicou a maior parte da sua vida.

Foi um dos responsáveis pelas primeiras eleições livres na sua terra em tempos do jovem Estado Democrático e esteve no palco em comícios onde se alvejavam os oradores.

Passou por várias funções, nacionais e locais, mas seguiu sempre as mesmas convicções, os mesmos princípios, aqueles que nos ensinou e aqueles que têm orientado as nossas vidas.

Nenhum dos 3 filhos lhe seguiu as pisadas na política por sentirmos demasiado fortes as dores dos bastidores, das maledicências e das incompreensões.

Como ele diz tantas vezes:

- Já dei para esse peditório!


Nós também já demos, demos o tempo em que sentimos a sua ausência, o seu bom humor e de alguma tranquilidade.

Conta-nos a minha mãe que foi um actor excepcional e de um bom humor fora de série, mas já não fomos a tempo de ver os seus melhores momentos, mas isso também é crescer...

Como a mãe dele, gosta de mandar e manda bem, até demais!

Tem um coração do tamanho do mundo e é o homem mais generoso que conheço. Desdobra-se para ajudar os outros, nós e todos os que lhe atravessam o caminho.

Aos de casa satisfaz demasiados caprichos (os "madeirenses" para a minha mãe, os camarões para o meu irmão, as cerejas para mim e os ovos moles para a minha irmã) e ninguém pode tocar naquilo que ele trouxe para o outro... Chega a ser caricato...

Vira livrarias à procura de livros de música, bordados e desporto e trá-los de todos os lados do mundo.

Deixou-nos aos 3 esse gosto pelo conhecimento, dos livros e das viagens, que continua a fazer na companhia do seu grande amor, a sua namorada de toda a vida.


Por acreditar realmente no trabalho que faz e por gostar mais da sua terra do que de si próprio vem sofrendo muitas injustiças que tem suportado com muita valentia e resistência, com uma inacreditável capacidade de se reinventar, reorganizar e direccionar as suas capacidades para outras áreas, sobretudo a da escrita.

Obstinado por defeito, quando inicia algum projecto, gostaria de o ter acabado no minuto anterior.

Devemos-lhe também a energia sempre positiva para os grandes projectos na nossa vida, estimulando-nos para ir em frente, para arriscar, para ousar e ... "se houver problemas, cá estamos nós para os resolver".


É um pai para o pai dos meus filhos, a quem lembra constantemente que o tempo com os filhos é precioso, passa depressa, tão depressa que ele não chegou a aproveitar como gostaria.

Também é um menino grande, carente de mimo e atenção e chora como chora uma criança, como eu choro, porque somos demasiado parecidos.


Este texto é para ele, porque talvez não conseguisse dizê-lo tão tranquilamente cara a cara e que só irá ler daqui a uma semana quando voltar de mais uma viagem, senão estaria a ligar-me no minuto seguinte a eu terminar de o escrever.

E ficou tanto por dizer...

7 comentários:

Anónimo disse...

Querida amiga, mais um texto maravilhoso.
Que bom é ter oportunidade de dizer ao seu pai o quanto se orgulha dele. Eu não tive tempo de fazer o mesmo, também tive um pai maravilhoso que deu a vida pelo nosso país - era militar - e a quem Deus levou muito cedo. Lamento que os meus filhos não o tivessem conhecido, mas acredito que ele onde está me ajuda a protege-los.
Maria da Graça

maria josé disse...

Eu sou uma dessas pessoas junto de quem o teu pai fez história, pois foi meu professor no 8º ano! Dele guardo a lembrança de uma figura afável, bondosa, que conquistou a turma inteira, e que sabia fazer com que gostassemos de ouvir as suas histórias da História!
Maria José

Anónimo disse...

Bem Isabel, tu devias escrever biografias. Não sei se é de escreveres sobre aqueles que gostas, mas os teus textos são apaixonantes e muito bem escritos. Eu adoro lê-los.

Tereclopes disse...

Bem Isabel, lindo como sempre, que belo testemunho acerca do teu pai,e que bem que escreves... cada vez gosto mais de te visitar. Afinal, apesar da nossa diferença de idades, temos algumas coisas em comum ... talvez a mais importante é sermos mães de muitos...
Beijinhos

ines pais disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ines pais disse...

querida isabel,

gostei mto de ler o teu texto. fica um beijinhos e a promessa de mais visitas.

Carla Morais disse...

Realmente, quando escreves sobre os teus é sempre tocante e muito bonito!